quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Da varanda




Ouvir Renato Teixeira cantar Amizade Sincera, para mim, é mais que três minutos de belas palavras embaladas ao toque perfeito do violão. Retrocedo ao cantinho da minha infância, tendendo a um adolescer precoce. Revivo minhas histórias; passeio, mesmo que só na lembrança e imaginação fértil, em meus lugares preferidos, em lugares pretéritos, em pessoas que chegaram e foram embora, mas permaneceram aqui guardadas.
Penso na família (porto certo e seguro), nas pessoas que fizeram a diferença em momentos cruciais, pessoas que amei verdadeiramente, e que apesar da distância tudo continua inviolável, amigos para todo e qualquer momento...
Lembro-me de você que, diversas vezes, trouxe-me a certeza do amor que amigos sentem e doam... na simplicidade ao compartilhar conhecimento, perspectiva para um futuro incerto, desejos de felicidade, sonhos de meninas inocentes... Interioranas. A cumplicidade nas aulas de matemática; na entrevista dos premiados (II OBMEP) na rádio local, (a medalhista humildemente cede o lugar para a ousadia da Menção Honrosa. Ousadia pelos cotovelos!!! Melhor que a ousadia era a tentativa de falar compassadamente)... Quantas idas e vindas, meu Deus! Quantas voltas.
Será se deixei saudade por onde passei? Será se sinto saudade dos que se foram? Será se minhas vontades foram, verdadeiramente, minhas? Será se plantei a semente e reguei como deveria? Se sim, onde estão as flores? Cadê a menina do barco acompanhada pelo anjo da guarda? Navegue menininha, que estarei navegando logo atrás. Cadê você que não vejo mais, que não ouço, que não abraço?
Quando falamos em amigos, falamos em irmãos por escolhas, em amores eternos, em paixões inesgotáveis... Pureza no trato, no gosto, no gesto.
Quando falo em amigo penso em música, em conversas deliciosamente longas, descontração em momentos que não seria possível se não houvesse um gosto pela presença. Penso em palavras de conforto em momentos difíceis; penso em doação, mesmo que seja um pouquinho do tempo, um tantinho de atenção, meia dúzia de palavras, mas, doação sincera.
Lembro-me de você. Das discussões animadas sobre assuntos polêmicos, do gosto refinado pela música, da meninice em momentos singulares, das piadas mais inventivas já proferidas, contadas de forma simples e com um requinte inigualável. Lembro-me do enorme coração que possui, da humanidade que, naturalmente, transparece em seus gestos e palavras; na doçura peculiar do coração de criança. Parte da admiração que nutro, sem dúvida, é pela capacidade que tem de ser criança e adulto num intervalo curto. Consegue ser doce como criança e rígido como um adulto quando se faz necessário. Não sei se conciliaria tão bem minha ingenuidade de menina com a dureza de ter que ser adulta quando as responsabilidades chamam. Poderia te descrever como Alceu Valença descreve alguém em algumas músicas...  e não me peça que eu mate moleque que mora comigo, ele é feito de barro é meu lado bandido, é meu lado palhaço, é meu lado doído...  Ao que sinto por você, diria: às vezes me sinto fraco e a minha vida se espalha por entre as sombras do mundo me perco e fico sozinho então, eu chamo seu nome você chega de mansinho.  Ou, simplesmente, como diria Jacques Brel, belissimamente interpretado por Maria Gadú... Ne Me Quitte Pas.
Queria poder ficar sempre assim, pertinho daqueles que amo. Desses que, verdadeiramente, me fizeram e/ou me fazem feliz. Manter as pessoas sempre perto de mim. Uma boa forma de ficar sempre bem... Infelizmente não é possível.
Amadurecer, além de cabelos brancos, traz uma visão apurada sobre determinadas coisas. Quando criança, pensava que podíamos chamar de amor aquele sentimento doado ao sexo oposto. Amigos eram apenas companheiros de conversa, de brincadeira, de briga, de molecagem, portanto, a eles, doávamos apenas, presença. Pensava em todos os “amigos” que tinham ido embora, e que não fizeram falta... Pensava no primeiro amor (o menino bonzinho da escola) e sentia saudade, vontade de passar o tempo rapidamente para que pudéssemos, enfim, juntar as panelas por meio de um casamento cheio de romantismo... Pensava assim, quando criança.
Hoje, lembro-me com saudade da vidinha de criança ao lado dos meus pais. Quantas lembranças boas... Quantas histórias contadas pela minha mãe ao pé do fogão de lenha. Que lindo ver as lágrimas de meu pai no nascimento do quinto filho; da preferência, quando éramos três, pela chiquinha. O tempo passa depressa e transforma muita coisa... Como transforma!
Penso que sou grande o suficiente para tomar decisões importantes; chegar em casa tarde; brigar com o vizinho; escolher minha janta - pode ser aquele miojo bem preparado na água quente e tempero gostoso que o acompanha na embalagem - tomar uma cerveja que há tempos está na geladeira pedindo que alguém a beba; colocar de lado costumes que, outrora, me fizeram bem...
Tudo parece simples, explicável, compreensível... Mas ás vezes procuro o que resta de mim, o que resta daquela menina que ficou feliz ao passar no vestibular. Há momentos em que desejo reencontrar aquela criatura...
Hoje, queria tomar café à mesa com minha mãe; falar sobre diversos assuntos interessantes; pensar em que roupa usar para ir à Missa; sentir o cheiro da comida boa de casa, da reunião em volta da mesa pra falar de assuntos chatos; 
Queria, simplesmente, voltar pra casa...  Estar em casa. Aquela que quando entro a luz já está acesa, o movimento indica mais de duas pessoas circulando, as paredes estão pintadas de verde-mar e o sofá é marfim... Aquela que tem uma “dispensa” com livros antigos e um canteiro que pouco é usado para cultivo de flores. Queria voltar a ser criança. 
Amanhã talvez precise de outra coisa, pense de forma diferente, tenha outras sensações, mas, sempre que entrar em casa e ascender a luz da sala, pensarei que, mesmo quando os cabelos brancos denunciarem minha idade, sentirei vontade de sentar à mesa ao seu lado e falar de coisas que, aos ouvidos de terceiros, parecem bobagens, mas que renovam laços e ressignificam vidas.